DESESPERO

Por Caio Lafayette

O texto que segue foi escrito para a Revista Piauí. Um concurso muito legal que a revista promovia, em que ela dava uma frase (quase sempre esquisita) e o texto tinha que ter essa frase, na íntegra, em algum lugar.

Vou deixar a frase que a revista havia selecionado em negrito.

...eu que falei 'nem pensar', agora me arrependo...


Desespero

Encontrei-o atrás do bar que frequentávamos, no centro da cidade. Ele estava inconsolável, porém decidido. Tentei argumentar, primeiramente, dizendo que aquilo tudo não o levaria a nada. O que iria ganhar matando o Vicentão? Não foi o suficiente. Com uma faca de açougueiro em mãos, seus olhos brilhavam misturando ódio e adrenalina, tesão e emoção, certeza e indecisão. O cara era meu amigo, mas o Vicentão também era e, além do mais, eu não tinha tanta certeza de quem estava certo nessa história. Preferi apenas tentar evitar o pior. O suor escorria de seu rosto, a hora estava chegando! Eu ainda tinha dez minutos para convencê-lo de não fazer isso: falei que poderia ir “em cana”, que os filhos teriam vergonha dele, que a cidade não seria mais a mesma…apelei até para Deus. Não adiantou. A 100 metros dali ficava a igreja, local onde Vicentão estaria para a missa das 18:00. Ele foi, afoito, porém decidido. Não me restou nada a fazer senão segui-lo. Foi o que eu fiz…
Acabou sendo mais rápido do que eu imaginei. Dois golpes foram o suficiente para ele acabar com o Vicentão. Depois das facadas, as lágrimas escorreram em seu rosto e, a partir de então, além de “corno”, tornou-se um assassino arrependido. Eu sabia que se o deixasse ali, daquele jeito, ele não resistiria por muito tempo. Precisava levá-lo para bem longe para começar uma nova vida. E, no fundo, era isso que ele esperava de mim, senão eu não teria sido o único a saber, com antecedência, do assassinato do Vicentão. Olhamo-nos olhos nos olhos: um matador arrependido e um cúmplice por acaso. Eu lhe falei de um lugar onde nos sentiríamos no deserto. Sua gratidão me confortou. Partimos em silêncio. Um silêncio triste com “gostinho de recomeço”.

Post ao som de: Refrão de Bolero – Engenheiros do Hawaii
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  1. outubro 31, 2008 às 11:06 am

    Um texto bem amarrado e bem escrito, mostrando elementos que envolvem uma amizade, cumplicidade e confiança. A frase final , que era obrigatória, ficou bem encaixada ao final.

  2. novembro 3, 2008 às 9:43 pm

    Gostei de como a história se desenrolou, não é nada tão óbvio, mas, ao mesmo tempo, te da uma noção do que se passa, isso faz com que a curiosidade do leitor aumente e queira saber o por que de querer matar o Vicentão.
    Esta maneira de escrever, é mais ou menos, o que eu tento fazer quando escrevo as letras das músicas da minha banda…sempre tento acrescentar algo para que tirem suas próprias conclusões.
    Mantanha-me informado sobre novas postagens!

  3. Greice Rodrigues
    novembro 17, 2008 às 1:59 am

    Incrível como ele conseguiu amarrar a frase no texto com uma seqüência totalmente coerente e coesa.

  4. janeiro 18, 2011 às 12:11 pm

    Eu Achei um final meio gay.
    A cumplicidade desses dois e as lágrimas nos olhos do “Assassino Arrependido” sugere que o tal do Vincentão fora mais que um ‘amigo’ para ele. Talvez um parceiro infiél.

    Hahaha isso que é um texto de livre interpretação heim!

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